O conceito de Município Inteligente amplia a visão territorial da concepção originária de Cidade Inteligente e cria um novo olhar para o tema.
Fonte: Jornal de Brasília
É possível vislumbrarmos a evolução de ‘Cidade Inteligente’ para ‘Município Inteligente’ a partir da perspectiva de visão territorial do conceito, a natural ampliação de suas fronteiras para além da área urbana, abrangendo a área rural.
Talvez seja um falso entendimento interpretar o termo ‘cidade’ (city) contemplando apenas a área urbana como sua extensão territorial para ações, iniciativas, projetos, programas, políticas e investimentos em ações ‘inteligente’ (smart) – Cidade Inteligente (Smart City).
Ocorre, que no dicionário Dicio, existe definições diretas contraditórias à área rural: (i) a vida urbana, por oposição à rural, e (ii) grande centro industrial e comercial (em oposição ao campo). No dicionário Priberam também: vida urbana, por oposição à vida no campo.
É natural que interpretemos o termo ‘cidade’ como o espaço territorial referente à extensão urbana de uma determinada área e desconsideremos a zona rural como parte dela. Alguns conceitos de Cidade Inteligente também remetem a esse entendimento.
Segundo estudo técnico da Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) em conjunto com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), “[…] uma cidade inteligente combina tecnologia, gestão urbana e o exercício de novos modelos de relações para melhorar a vida das pessoas que a habitam”.
A definição da ABDI-FGV nos encoraja a estreitar a visão sobre a amplitude da concepção de Cidade Inteligente, nos induzindo a olharmos fortemente para a zona urbano em detrimento da zona rural.
O conceito de Cidades Inteligentes para a Rede Brasileira de Cidades Inteligentes e Humanas também vai nessa vertente também, de forma mais sutil:
“As Cidades Inteligentes e Humanas são aquelas que se dotam de uma infraestrutura tecnológica interoperável, necessária para conectar todos os hardwares, softwares e aplicações existentes ou que venham a existir, de uma maneira que se transformem em uma plataforma que funcione como um nó que conecte todas as demais plataformas, permitindo à cidade que integre todos os dados e informações gerados, para ter um sistema de informações gerenciais aberto e transparente, de uma maneira que a tecnologia sirva de apoio à melhora da qualidade de vida das pessoas, sempre com sua participação em um processo cocriativo com o poder público”.
Por outro lado, a definição de Smart Cities da União Europeia é mais aberta, abrangente e não restringente a uma área geográfica específica: “[…] são sistemas de pessoas interagindo e usando energia, materiais, serviços e financiamento para catalisar o desenvolvimento econômico e a melhoria da qualidade de vida”.
De fato, algumas definições de órgãos, institutos, instituições e organizações nos levam a acreditar que o conceito e ações de Cidade Inteligente abrange apenas a área urbana, que não é verossímil.
Município Inteligente
Não é razoável limitarmos o conceito e as ações ‘smart’ apenas ao território urbano, à cidade propriamente dita. É necessário a ampliação da visão do espaço territorial ‘inteligente’ para a área rural.
Talvez não percebamos, mas existe uma integração natural ente a área urbana e a rural, com uma interação social e econômica, tanto no território do próprio município quanto entre eles.
O termo ‘município’ “[…] é derivado do francês municipalité e do latim municipium, antiga designação romana. É um território dotado de personalidade jurídica e de certa autonomia, constituído por órgãos administrativos e políticos” (Wikipedia, 2019).
Nesse contexto, é mais plausível e admissível consideramos todo o território geográfico do município (urbano e rural), objeto de ações e investimentos para torna-lo ‘inteligente’.
Por exemplo, diversos indicadores do Ranking Cities Motion Index da Instituto de Estudos Superiores da Empresa, da Universidade de Navarra, da Espanha (IESE Business School) são perfeitamente compreendidos a todo o território municipal. Vejamos alguns deles:
– Capital humano: percentual da população com educação secundária ou superior;
– Coesão social: imigração, desenvolvimento das comunidades, eficiência do sistema de saúde, inclusão pública e segurança;
– Economia: PIB, produtividade e tempo necessário para iniciar um negócio;
– Governança: reservas econômicas, certificações que comprovem a qualidade de seus serviços públicos;
– Meio ambiente: índices de poluição e de emissão de gás carbônico e conservação;
– Mobilidade e transporte: sistemas de transporte público, deslocamentos e tráfego;
– Tecnologia: percentual de lares com acesso à internet, à banda larga e à telefonia móvel.
Assim, adotando o conceito de ‘Município Inteligente’, o transformamos em não excludente da área rural, em uma gestão ‘smart’ ampliada dos temas mobilidade, transporte, habitação, saúde, educação, esporte, lazer, turismo, cultura, agronegócio, entre outros.
Municípios inteligentes e humanos
Sonho de muitos cidadãos, sociedades, empresários e profissionais de diversas disciplinas, a organização e funcionamento de uma área na perspectiva ‘smart’, desafia diversos sonhadores, pesquisadores e gestores privados e públicos a tempos.
Pensar de forma sistêmica o urbano e o rural é o desafio para os atores que querem ser protagonistas na transformação do ambiente municipal para um território de ações, iniciativas, projetos, programas, políticas e investimentos ‘inteligente’. Analisemos:
– Educação e Cultura
O universo rural precisa ser incluído nas políticas públicas e didático-pedagogicamente na sala de aula – história, importância, sabedoria, costumes, valor, necessidades e sustentabilidade.
Quantos Colégios Agrícolas e (ou) Unidades de Ensino Superior na área rural estão desconectados do ambiente urbano de seu território municipal. Imagine a quantidade de projetos e ações socioeconômicas poderiam ser desenvolvidos entre a população e a comunidade urbana e rural.
– Habitação
A área rural não pode ser negligenciada nas políticas públicas. É necessário pensar em ações habitacionais no campo, que podem ser combinadas com ações privadas, que contribuiriam para diminuir a pressão de urbanização das pessoas.
Existem diversas instalações Agroindustriais pelo país que poderiam combinar investimentos público-privados em projetos habitacionais que proporcionassem a proximidade entre a empresa e a residência dos funcionários (ambos na área rural).
– Mobilidade
Sempre pensamos na mobilidade urbana e nos meios de transporte públicos e privados como metrôs, ônibus, VLT, BRT, taxi, bicicletas e patinetes. Das necessárias ciclovias e passeios públicos, dos corredores de transporte urbano e das vias públicas – deslocamento e tráfego.
Com frequência nos esquecemos do escoamento da produção agroindustrial, agropecuária familiar, hortifrutigranjeiros e do deslocamento de insumos, matérias-primas, máquinas, equipamentos e veículos. Quantos gestores públicos dissociam as vias públicas urbanas das rurais!
– Esporte, lazer, turismo
É notório o movimento de pessoas para a área rural à procura de descanso, aventura, lazer e preservação, principalmente habitantes dos grandes centros urbanos, como uma fuga do cotidiano das cidades.
Agroturismo, turismo rural histórico, cultural, paleontológico, entretenimento, saúde, esportivo e ecológico, entre outros, são alguns exemplos de atividades com visão ampliada de ‘smart’.
Conclui-se, naturalmente, que é contraproducente imaginar a ausência da área e do ambiente rural no conceito de Cidade Inteligente, o que nos faz imaginar ser necessário um novo conceito, o de ’Município Inteligente’.
Dessa forma, com objetivo agregador e sistêmico, Município Inteligente é o ecossistema e o território de interação dos ambientes urbano e rural, que utiliza a tecnologia da informação e da comunicação para o desenvolvimento sustentável socioeconômico e bem estar humano.
Prof. Manfrim, L. R.